Instituto Pensar - Soberania alimentar é ameaçada e luta por agroecologia é essencial

Soberania alimentar é ameaçada e luta por agroecologia é essencial

por: Ana Paula Siqueira 


Ativista critica uso desenfreado de agrotóxicos para maximizar o lucro. Foto: Pixabay

Os programas de combate à fome e apoio à agricultura familiar estão na mira da indústria, do agronegócio e seguem inviabilizadas pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido). No dia em que assumiu a presidência, ele extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), entre outros desmontes.

No artigo Soberania Alimentar: balanço de um desmonte, publicado pelo Outras Palavras, a arquiteta e urbanista Suzana Prizendt, que faz parte da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida (CPCAPV) e do MUDA-SP, defende a retomada da luta pelo modelo de produção agroecológico.

"Sempre que nos dispomos a realizar uma reflexão sobre como o setor agroalimentar se estrutura em nossa sociedade, precisamos nos fazer uma pergunta essencial: quem define o que vai compor o prato de cada um de nós e, portanto, controla o que a população brasileira come??, provoca.

Ingerir agrotóxicos em nome do lucro

Ela afirma que indústria, agronegócio e governo procuram minar os programas de combate à fome e apoio à agricultura familiar. "Para maximizar o lucro, nos fazem engolir agrotóxicos e ultraprocessados?, enfatiza.

A autonomia dos diferentes povos que habitam o planeta, observa a arquiteta, é um desafio para o mundo globalizado, em que as diferentes culturas alimentares de cada região foram substituídas pela imposição de um conjunto homogêneo de espécies cultivadas, modos de preparo e hábitos de consumo.

"São as grandes empresas transnacionais que regem a agricultura e a alimentação dos países em todos os continentes e impor limites a este domínio tem sido uma luta constante dos movimentos sociais que atuam nos territórios?, afirma.

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Desmonte brasileiro

Além da extinção do Consea, instituição que colaborou para os avanços no combate à fome, ela afirma que os representantes das grandes empresas agroalimentares seguem atuando com mais liberdade junto ao poder público, com o desmonte da legislação e dos programas de incentivo a alimentação saudável e ao cultivo de base agroecológica.

"Instrumentos essenciais para o combate à fome e à má nutrição, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), vêm sendo enfraquecidos, mês a mês, e correm o risco de serem desfigurados por mudanças na legislação, como a que institui a reserva de mercado nas compras públicas destinadas ao abastecimento escolar e a que retira a prioridade para que os assentados da reforma agrária e os povos das comunidades tradicionais sejam os fornecedores escolhidos pelos gestores dos municípios do país?, pontua.

Diante disso, ela critica a definição de cotas mínimas para produtos de setores da indústria alimentícia, como a de leite de vaca ou a de carne suína. O que afirma ser "mais um claro ataque à soberania alimentar de diferentes regiões do Brasil, já que impede a adoção de cardápios adequados às condições sociais e ambientais de cada uma delas, além de ignorar a questão da sazonalidade, empobrecendo o cardápio dos estudantes, limitando a atuação de nutricionistas e prejudicando os agricultores dos povos quilombolas e campesinos, responsáveis por cultivar alimentos da biodiversidade e da cultura de cada local do país.?

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Pandemia aumentou insegurança alimentar

O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 verificou que metade da população está em situação de insegurança alimentar e nutricional no Brasil. Por isso, a defesa da alimentação saudável nas escolas continua tão importante.

"A alimentação escolar, seja na escola ou através de cestas às famílias de estudantes, é essencial para frear o aumento da fome e do consumo de produtos alimentícios que não sejam saudáveis?, defende.

O Observatório da Alimentação Escolar emitiu uma nota em defesa do PNAE e também criou uma petição para que a sociedade se mobilize para impedir os retrocessos em curso. Como as modificações já foram aprovadas na Câmara dos Deputados, a mobilização agora é para que o Senado reverta a decisão.

Desinformação agro

Além do ataque a programas como o PNAE, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Política à Garantia de Preços Mínimos (PEPM), o agronegócio ameaça a difusão do conhecimento.

"A iniciativa Mães do Agro, capitaneada pela mesma elite gananciosa do setor, busca cercear a divulgação de conteúdos que revelem os danos provocados por alimentos ultraprocessados e ultraenvenenados e que ofereçam alternativas ao modelo agrícola e industrial hegemônico?, denuncia.

Entre as ações, estão a campanha De Olho no Material Escolar, que estimula familiares de estudantes a registrar e denunciar materiais didáticos que mencionem associações entre o agronegócio e o desmatamento, a concentração de terra, as intoxicações e doenças provocadas pelo uso de agrovenenos. "E outras informações que arranhem a imagem POP, TECH, TUDO que seus marqueteiros, muito bem pagos, por sinal, tentam vender para a população?, afirma Suzana Prizendt.

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Conflitos de interesse

Para ela, não é à toa que a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) e a Sociedade Rural Brasileira se apoderaram, respectivamente, da presidência e da vice-presidência do Consea-SP.

"O estado mais rico e populoso do país tem justamente o mercado consumidor mais rentável e influência intensa na economia e na política nacional brasileiras. Assumidamente contra o Guia Alimentar para a População Brasileira, documento internacionalmente reconhecido como excelente na orientação para uma alimentação saudável, a ABIA e a SRB podem utilizar o Conselho para promover retrocessos nas políticas públicas de SAN e minar de vez a luta pela soberania dos povos sobre seus alimentos?, afirma.

Suzana afirma ainda que o governo paulista segue "firme na tentativa de dinamitar as instituições públicas e os mecanismos de participação?. Prova disso, na avaliação dela, é a aprovação do projeto de Lei 596, pela Assembleia Legislativa de São Paulo, que terceiriza o serviço de inspeção agropecuária, realizada sob protesto de diferentes segmentos da sociedade.

Doenças da fome e da alimentação não saudável

Suzana afirma que existem oito mil cargos vagos na Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento. Mas que a política de desmonte do governo de João Doria (PSDB) atua na precarização da estrutura.

"Entregando um setor absolutamente essencial para ser manipulado pela dupla Agronegócio/Indústria Alimentar que, soma-se, por sua vez, à dupla Indústria Química/Farmacêutica, já que o uso desenfreado de agrotóxicos rende lucro dobrado: pela produção e venda desses venenos químicos e pela produção e venda de remédios para tratar as doenças que eles geram?.
Suzana Prizendt

A situação não fica apenas nos alimentos frescos. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) realizou um levantamento, denominado Tem veneno nesse pacote, em que analisa 27 produtos ultraprocessados. Foram identificados agrotóxicos em 16 dos itens analisados.

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"Na iminência de uma possível aprovação do uso do trigo transgênico no Brasil, algo inédito no mundo, corremos o risco dos dados apurados no levantamento se agravarem ainda mais. A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida produziu um manifesto contra a aprovação deste novo trigo OGM e convoca todas as organizações a serem signatárias?, conclama.

Ruralista na OMS

Para completar o quadro, a arquiteta cita a escolha do ruralista Sérgio Luis Bortolozzo para representar o país na Cúpula Mundial dos Sistemas Alimentares, em setembro na Organização das Nações Unidas (ONU). Ele é vice-presidente da SRB, instituição que está à frente da vice-presidência do Consea-SP.

"Rompendo uma atuação que o Brasil seguia nos tempos de governos progressistas, na qual seus representantes costumavam ser lideranças reconhecidas na promoção de políticas de Segurança Alimentar e Nutricional?, relembra.

Em abril, no qual a produção de grãos bateu novo recorde no país, também foi o mês em que houve o maior desmatamento da Amazônia dos últimos 10 anos. E que a destruição dos mecanismos de licenciamento ambiental, recém aprovada na Câmara dos Deputados e que segue em debate no Senado, deve agravar ainda mais este cenário, prevê.

"Basta de engolir ultraprocessados e ultraenvenenados, queremos botar um freio no trator corporativo agroalimentar que atropela nossa soberania e tanto adoece nossa Casa Comum, o planeta tão especial, no qual a Vida, em suas incontáveis formas de manifestação, ainda pulsa e nos inspira a seguir em frente?, finaliza de forma contundente.

Autorreforma do PSB

Partido Socialista Brasileiro (PSB) entende a importância do agronegócio para o país. E acredita que o modelo representa importante fator de fortalecimento da economia brasileira e das exportações. Porém, isso não pode significar destruição de outros modelos.

A Autorreforma do PSB avalia que é necessário impedir que a pecuária bovina extensiva não integrada com a lavoura e o agronegócio continuem avançando em áreas florestais, como Amazônia e Cerrado.

Além disso, reconhece a importância de modelos que garantam a conservação do meio ambiente e a segurança alimentar da população.

"É fundamental compreender o fato de que os agricultores familiares e os assentados da reforma agrária, os povos indígenas e de comunidades tradicionais, que têm em cada bioma a sua casa, são os protagonistas da conservação da agrobiodiversidade e da promoção da soberania e segurança alimentar.?
Autorreforma do PSB

Com informações do Outras Palavras




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